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Wood, Como funciona a ficção


vb. criado em 01/07/2015, 13h05m.

index do verbete "Só existe uma receita: ter o maior cuidado na hora de cozinhar" (Henry James)

Perguntas:

1. O realismo é real?
2. Como definir uma boa metáfora?
3. O que é um personagem?
4. Como reconhecer o bom uso do detalhe?
5. O que é ponto de vista, e como funciona?
6. O que é empatia imaginativa?
7. Por que a literatura nos comove?.

Suma dessas perguntas ou temas:

1. verossimilhança
2. metáfora
3. personagem
4. detalhe
5. ponto de vista
6. empatia
7. comoção (?)

"Literatura é ao mesmo tempo artifício e verossimilhança" /12

"verdadeiro fedor da escolástica" Joyce /15

narrador

"A casa da ficção tem muitas janelas, mas só duas ou três portas" /17. Posso contar uma história na 1ª ou na 3ª pessoa, e talvez na 2ª do singular. E só.

Narração confiável (3ª pessoa onisciente) e inconfiável (narrador em 1ª pessoa, "que sabe menos de si do que o leitor acaba sabendo" /17). Humbert Humbert: o narrador, numa manobra confiável, nos avisa da sua inconfiabilidade; há um processo de sinalização do autor: "o romance nos ensina a ler o narrador" /19.

"literatura que não admite a incerteza do narrador é uma forma de impostura muito, muito difícil de tolerar" (Sebald) /18

"a narração onisciente padrao, em 3ª pessoa, é uma espécie de trapaça que não se usa mais" /18

"a narração onisciente poucas vezes é tão onisciente quando parece" /19. O estilo costuma atrair nossa atenção para o escritor, para o artifício /20

Tolstói, modelo de narrador onisciente, usa o "código de referência", um código cultural, recorre com segurança a uma verdade universal ou consensual ou a um corpo de saberes comuns à sociedade ("banalidades ideológicas"). /20

Onisciência é impossível, a narrativa tende a se concentrar em volta do personagem, assume seu modo de pensar e falar, a onisciência vira partilha de segredos: estilo indireto livre (abr. loc.: eil), terceira pessoa íntima, entrar no personagem /21. Difere do discurso indireto informado porque neste o pensamento ou discurso do personagem é sinalizado, separado do discurso do narrador. O eil está perto do seu derivado, o fluxo de consciência (abr. loc.: fdc).

Vantagem do eil: não se sabe se a palavra é do narrador ou do personagem. O leitor habita simultaneamente a onisciência e a parcialidade. Ironia dramática: o leitor vê pelos olhos do personagem mais do que ele mesmo pode ver /23. Princípio do tio Charles: pelo tom do vocabulário se adivinha quem está falando ou pensando /28.

Tom heroico-cômico: faz rir porque aplica linguagem épica ou bíblica a pessoas simples e situações triviais /29.

Ironia do autor: a distância entre a voz do personagem e a do autor some, o personagem se amotina e se apodera da narração /31

As vezes a narração toma a voz de uma coletividade, em vez de um indivíduo, como se fosse um coro narrando /32; é um eil não identificado, a linguagem paira em torno do personagem.

Formalistas russos: metáforas extravagantes servem para gerar estranhamento, desfamilizarização, lembrando que a ficção não se refere à realidade /34

Narração em 1ª pessoa "em geral é uma trapaça e tanto: o narrador finge falar para nós enquanto de fato é o autor quem nos escreve" /37

Projeto literário contemporâneo traz uma perigosa tautologia: para evocar a linguagem degradada do personagem degradado é preciso degradar a linguagem do autor, decomposição da linguagem, Pynchon, Wallace. /39

"o poeta pode arremeter como um hussardo, mas o romancista precisa ir mais devagar, precisa aprender a ser comum e desajeitado ... e se tornar a plenitude do tédio" (Auden) /39

O romancista tem que se tornar aquilo que escreve (baixo, vulgar, tedioso) /40

Uma tensão fundamental no romance: reconciliar as percepções e a linguagem do autor com as do personagem. Duas soluções ruins: a) Updike, esteticismo, o autor se intromete; Wallace, antiesteticismo, o personagem é tudo. Duas formas de esteticismo: tudo é exibição forçada de estilo /40 (tensão básica do romance: quem está notando os detalhes? /52)

Pausas descritivas de Bellow. A ficção afrouxa o passo a fim de chamar nossa atenção para uma superfície ou textura, a ação é suspensa /41 (m.c.: momentos contemplativos)

flaubert e a narrativa moderna

"os romancistas deveriam agradecer a Flaubert como os poetas agradecem à primavera: tudo começa com ele" /43

Boa prosa /43:

1. realça o detalhe expressivo e vibrante
2. privilegia alto grau de percepção visual
3. compostura não sentimental, sem comentários supérfluos, "qual bom criado"
4. é neutra ao julgar o bem e o mal
5. procura a verdade, ainda que sórdida
6. traz a marca do autor, que simultaneamente é evidente mas não se deixa ver

Defoe, Austen e Balzac têm algumas dessas características, mas só Flaubert tem todas.

Flaubert queria que o leitor ficasse diante de uma parede lisa de prosa, aparentemente impessoal, com os detalhes apenas se acumulando, como na vida. "Um autor em sua obra deve ser como Deus no universo, presente em toda parte e visível em parte alguma" /45

Flaubert aperfeiçoou uma técnica fundamental: misturar o detalhe habitual e o detalhe dinâmico: os detalhes são de marcações temporais diferentes, uns instantâneos e outros recorrentes, e se combinam no mesmo plano. "Parece a vida real - de um modo belamente artificial". Os detalhes são ao mesmo tempo importantes e insignificantes. /45 Junta acontecimentos de curta e de longa duração, ocorridas em tempos e velocidades diferentes /46

O repórter policial ou de guerra intensifica o contraste entre o detalhe importante e o insignificante, criando tensão entre o pavoroso e o comum /45

Flaubert e o flâneur

O flâneur é substituto do autor, seu explorador permeável, pomba de Noé. Surge junto com o urbanismo.

Flaubert, realista e estilista, repórter e poeta manqué /52

Flaubert Balzac
seleção dos detalhes abundância dos detalhes
compromisso com o EIL sem esse compromisso
compromisso com a impessoalidade do autor sente-se livre para se intrometer (digressões)
interesse em apagar quem está vendo não tem esse interesse

Busca-se então resolver aquela tensão fundamental (quem está notando os detalhes?) eliminando (camuflando) o estilo literário. A tensão desaparece "porque o próprio estilo literário tem de desaparecer: e o estilo literário tem de desaparecer por meios literários" /56

detalhe

Mostrar alguém ou alguma coisa "sob uma nova luz" /62

a vida é cheia de detalhes, mas a literatura nos ensina a notar /63

"nós crescemos como leitor, e quem tem vinte anos ainda é mais ou menos virgem" /64

Como saber quando um detalhe parece realmente verdadeiro? Duns Scotus, estidade (haecceitas, ipseidade), individuação. O detalhe atrai para si a abstração e a mata com um sopro de tangibilidade. Concentra nossa atenção por sua concretude. /65 Estidade é tangibilidade, e por isso tende para uma substância (esterco, cetim, cera, sangue); mas pode ser uma mera anedota /67.

Queremos nomes e números, fatos que prometam escorar a ficção. /68

O excesso de detalhes sufoca, é fetiche, aumenta a tensão entre autor e personagem /69. Romance moderno tem compromisso extravagante de notar o tempo todo, de apontar a novidade e a estranheza /70

A história do romance pode ser analisada como o desenvolvimento do eil. Libertação dos ideais neoclássicos que preferiam a fórmula e a imitação ao individual e à originalidade /69

Personagens secundários em Cervantes, Fielding, Austen, são teatrais, estereotipados, quase desapercebidos no sentido visual. Para os que vieram depois (Flaubert, Dickens) o personagem secundário é uma espécie deliciosa de desafio estilístico. /71

Em Flaubert e sucessores o ideal literário é uma sequência de detalhes encadeados, um colar de informações. /72

O grande desafio é o esteticismo, a exacerbação do olho empenhado em notar (existem muitos detalhes que não são visuais) /73

O detalhe irrelevante tem função de denotar a realidade, está ali para criar o efeito, a atmosfera de realidade. Ele diz: "sou realismo". Mas o detalhe relevante significa o real, o conota; pode criar o efeito realista da passagem do tempo /76

"o realismo oferece uma aparência de realidade, mas é de fato totalmente falso - o que Barthes chama de "a ilusão referencial"." /76

"a literatura é semelhante à moda, porque os dois sistemas nos levam a ler o significante, e não o significado das coisas" /77

O detalhe insignificante pode servir para denotar o inexplicável; esse é um dos efeitos de real, de estilo realista; têm algo a nos dizer sobre a irrelevância da própria realidade; a categoria do irrelevante e do inexplicável existe na vida, que sempre encerra um excedente inevitável, uma margem de gratuidade. Então certos detalhes não são irrelevantes, são "significativamente insignificantes" /79

"a ficção tem um projeto novo e exclusivo na literatura: o manejo da temporalidade" /80. E os detalhes servem para isso.

O tempo transcorre entre os versos, invisível, inaudível, sem nunca aparecer na página /80

Bons detalhes aceleram nosso conhecimento de um personagem: um estado de espírito, um gesto, uma palavra /81

A perfeição do detalhe pode estar na simetria /84.

personagem

O mais difícil é a criação do personagem de ficção. Novatos começam com descrições que parecem fotografias: prende-se ao estático porque é mais fácil de descrever que o móvel. Difícil é tirar pessoas do estagnado e movimentá-las em cena.

"o romance é o grande virtuose da excepcionalidade: sempre se esquiva às regras que lhe são ditadas". /95

O leitor sabe que os personagens são fictícios, mas só consegue conhecê-los tratando-os como reais. /96

"Será que todos nós, de alguma maneira, somos personagens fictícios, gerados pela vida e escritos por nós mesmos?"

Romancistas pós-modernos gostam de ficar lembrando ao leitor a metaficcionalidade de tudo. Mas o que é "só um personagem"? Ninguém na vida diz "eu não existo", todos dizemos "acredito que existo". /98 O romancista adota uma onisciência de tipo divino, mas o que ele realmente sabe sobre suas criaturas? /101

"Sábio é o que se contenta com o espetáculo do mundo" F. Pessoa /98

Muriel Spark, regime de fome, estilo enxuto, nunca justifique, nunca explique, uma provocação deliberada /99

"é impressionante como resiste a convenção de dar nomes alegóricos aos personagens. Mas isso acontece porque não é apenas uma convenção. Em certo sentido, realmente somos como nos chamam, pelo menos desde o Antigo Testamento"; mas "a ficção, de fato, não se mostra muito ficcional quando recorre a tais expedientes. Afinal, as pessoas na vida parecem mesmo se tornar misteriosamente o nome que têm, ou o contrário deles /101

A ficção de Nabokov e Spark explora as implicações do poder do autor de mover seus personagens como escravos. Spark usava a literatura para refletir sobre as responsabilidades e limitações da própria literatura. /102

"Deus vai inventando as coisas à medida que avança, como alguns romancistas" (B. S. Johnson) /103 Johnson não consegue ser cético a sério, porque não consegue ser afirmativo a sério, como Saramago /103

O grau de profundidade ou realidade do personagem é dirigido por cada escritor e se adapta às convenções internas de cada livro. Romances tendem a falhar não por não terem personagens vívidos ou profundos, mas quando não nos ensina como nos adaptarmos às suas convenções, seu grau específico de realidade. Alguns modernos como V. Woolf, Sebald e Phillip Roth não estão interessados em criar personagens no sentido sólido e antiquado do séc. XX. Alguns que não são grandes criadores de personagens, como Bellow, têm interesse estético e filosófico pelo indivíduo. /105-6

Alguns acham que a marca do grande romancista é criar personagens livres e independentes, mas há muitos cujos personagens são muito parecidos entre si, ou com o autor, e mesmo assim emanam vitalidade que lembra liberdade. Possuem vida interior ardente e o exame da alma é importante para o romancista (Lawrence). O que dá vivacidade é a força do interesse do autor por eles (James) /107

James sugere que ainda não formou sua personagem, que o romance é que irá formá-la.

Então a vitalidade do personagem não tem a ver com ação dramática, coesão narrativa ou plausibilidade. Está ligada a um sentido filosófico ou metafísico mais largo, nossa consciência de que as ações dele são importantes, que há algo profundo em jogo, "o autor ruminando sobre a face daquele personagem como Deus sobre as águas" /109

O que importa não é a "redondeza" mas a sutileza: a sutileza da análise, do exame, da preocupação, da pressão que se sente. /111

Shakespeare, em suas tragédias, reduzia drasticamente o volume de explicações causais necessárias para que um enredo trágico funcionasse bem e o volume de razoes psicológicas necessárias para que um personagem resultasse convincente. Achava que podia provocar reações de especial intensidade se retirasse um elemento explicativo essencial, ocultando a razao, o princípio ético ou a motivação que justificava a ação que ocorreria. /111

Thomas Mann, Proust, Tolstói, usam o método do leitmotiv mnemônico - uma característica ou atributo repetido - para garantir a vitalidade de seus personagens /112

Em Austen só as heroinas são de fato capazes de se desenvolver e surpreender: são os únicos personagens que têm consciência, e são heroicas, em parte, precisamente porque possuem o segredo da consciência. /113

Os personagens de Shakespeare não são só teatrais, eles se teatralizam, carregam em si ideias fantásticas, ilusórias, sobre suas proezas e fama. Daí descende um tipo autoteatralizante, solipsista, exuberante, que predomina na prosa inglesa, cheia de personagens planos.

breve história da consciência

Cervantes precisa que Sancho acompanhe Quixote para este poder conversar. Quando fica sozinho, ele não pensa, ele fala sozinho.

O romance, que nasce do teatro, se forma quando o solilóquio se interioriza. E o solilóquio tem origem na prece. O romance transformou a arte da caracterização porque transformou quem vê o personagem. Davi, Macbeth, Raskolnikov. O 1º é um personagem público, não tem privacidade, só expressa seus pensamentos íntimos para Deus, é transparente para Deus e opaco para o leitor. Macbeth tem história particular trazida a público, é diferente de Davi porque tem memória. Sua maldição não é teológica, é mental, os males escritos no cérebro. E dirige seu solilóquio à plateia. A história de Raskolnikov é de privacidade devassada, é observado pelos leitores. Este substitui Deus e plateia /122-4.

Então o romance é o grande analista da motivação inconsciente. O leitor é hermeneuta procurando nas entrelinhas a motivação verdadeira. /125

"No romance podemos ver o eu melhor do que em qualquer outra forma literária; mas não é demais afirmar que o eu enlouquece sob esse escrutínio tão invisível e cerrado" /125

Romance: a forma artística de interessar o leitor no destino do indivíduo, quando transformou biografia em narrativa dotada de significado, e inseriu nela a motivação psicológica. /125

No começo o único mérito do romance era a novidade, a surpresa final do enredo. Logo evoluiu em favor de histórias inacabadas ou com falsos finais (Flaubert e Tchekhov).

Alguns pecam não pela superficialidade metafísica ou falta de atenção psicológica, mas pelo excesso de enredo: não são adultos o suficiente para suportar o peso de uma análise moral complexa. /126

Tendência teofrastiana e religiosa ainda persiste na literatura barata: vilões são vilões, heróis são heróis, o bom e o mau são nitidamente delineados, personagens estáticos com atributos fixos. /127

Mas surgiu um novo romance, em que o bem e o mal lutam dentro do mesmo personagem, em que há uma inquietude do eu.

Diderot: "Sê hipócrita, se quiseres, mas não fales como hipócrita. Guarda os vícios que te são úteis; mas não tenhas deles nem o tom nem a aparência que te tornariam ridículo" /129.

[Dostoievski] e Nietzsche, personagem que admira a ousadia do criminoso que se aparta da sociedade. Ressentimento: personagem imprevisível, o orgulho muito próximo da humildade, o ódio muito perto de uma espécie doentia de amor, personagem detesta porque admira; mantém uma relação imaginária com o adversário, uma espécie de dependência impotente. É o subsolo o nome desse tormento. Um afastamento impotente e nocivo, uma espécie de instabilidade crônica, odiando a quem lhe deu algo bom, e bem por isso. Os personagens agem como agem porque querem ser conhecidos, querem se confessar. Querem ser reconhecidos como canalhas por pessoas melhores que eles. Os personagens de Dostoievski têm três camadas. Na de cima os motivos declarados. Na intermédia a motivação inconsciente, geralmente envolvendo um sentimento de culpa que existia antes do crime, e que não é resultado dele, mas seu motivo (Freud). A terceira camada de motivações escapa a qualquer explicação e só pode ser entendida em termos religiosos. /133 Todos os romances de Dostoievski podiam se chamar crime e castigo (Proust) /134

Proust trouxe um progresso: a mudança no caráter do personagem não nasce mais de reviravoltas no enredo, mas de gestos e revelações mínimos, ou são de origem misteriosa.

Os vitorianos pintavam personagens cuja vivacidade vinha da simplicidade. O personagem é gravado porque tem poucos traços, e muito destacados, vêm com palavras-chave e a imaginação do leitor fornece o resto. Mas de Dostoievski em diante os personagens não têm traço algum, são imensas cavernas. /137

Romance como meio de discussão multilateral, um veículo para uma investigação profundamente séria do caso humano. /137

Quando o personagem é fixo, a forma é fixa e linear. Mas se o personagem é mutável, porque começar do começo?

empatia e complexidade.

"O maior benefício que devemos ao artista, seja pintor, poeta ou romancista, é o desenvolvimento da nossa empatia. Argumentos fundados em generalizações estatísticas requerem uma empatia pré-fabricada, um sentimento moral previamente ativo; mas uma imagem da vida humana, tal como um grande artista pode fornecer, surpreende até o trivial e o egoísta levando-os a focalizar aquela parte deles mesmos, que pode ser chamada a matéria prima do sentimento moral. (...) A arte é o que há de mais próximo da vida; é um modo de amplificar a experiência e estender nosso contato com os semelhantes para além do nosso destino pessoal" ("The greatest benefit we owe to the artist, whether painter, poet, or novelist, is the extension of our sympathies. Appeals founded on generalizations and statistics require a sympathy ready-made, a moral sentiment already in activity; but a picture of human life such as a great artist can give, surprises even the trivial and the selfish into that attention to what is a part from themselves, which may be called the raw material of moral sentiment. (...) Art is the nearest thing to life; it is a mode of amplifying experience and extending our contact with our fellow-men beyond the bounds of our personal lot" (Eliot, 1856).) Fonte original: Eliot, George (1856). The Natural History of German Life. In: Sheppard, Nathan (org.). The Essays of George Eliot. Nova Iorque : Funk & Wagnalls, 1883. Disponível [aqui](https://ebooks.adelaide.edu.au/e/eliot/george/e42e/index.html). Acessado em 23/06/2015, 20h43m.. /140

"Não lemos a fim de tirar benefícios da literatura. Lemos literatura porque ela nos agrada, nos comove, é bonita, e assim por diante — porque é viva e nós estamos vivos" /140

Desde Platão e Aristóteles duas discussões: a) o que a ficção representa (questão da [mimesis] e do real); b) como a ficção provoca empatia.

A identificação do leitor com o personagem depende, de certa maneira, da verdadeira mimesis da ficção.

Ian McEwan, Reparação: mariposas buscam o lado mais escuro, do outro lado da luz. /143

Bernard Williams: insuficiência da filosofia moral, que desde Kant excluiu da discussão os problemas do eu, e passou a encarar os conflitos como embates entre crenças de fácil solução, em vez de conflitos de desejos não tão simples de resolver. A filosofia moral devia examinar a verdadeira estrutuda da vida emocional em vez de discorrer em termos de coerência, princípios e universalidade. As pessoas são incoerentes, decidem os princípios conforme o andamento. Na tragédia e na epopeia há exemplos de grandes episódios onde o eu se debate com "conflitos individuais". Mas o romance "tende a apresentar esses conflitos trágicos de maneira menos trágica, menos marcada, em formas mais brandas. Todavia, esses conflitos mais brandos nem por isso são menos interessantes ou profundos" /145. (m.c.: trabalhei isso em "C:DropboxESCRITOSMemorial de Ayresayres1.md").

"Ao farol", de Woolf, é comovente que narra um casamento apenas adequado, fala sobre pequenos embates e pequenas concessões cotidianas.

"O romance, evidentemente, não fornece respostas filosóficas (como disse Tchekhov, basta fazer as perguntas certas)" /146. Vide: "É para isso, para estender nossa compreensão do outro para além das fronteiras da nossa experiência individual, que serve a literatura, que, como disse José Castello, é um potente instrumento de interpretação do mundo, não porque forneça respostas, e sim porque é uma máquina de perguntas" ("Muitos dizem que a literatura não serve para nada. Penso, ao contrário, que ela é um potente instrumento de interpretação do mundo. Não que ela se pretenda dona da verdade, ou forneça respostas para nossas inquietações. A literatura não oferece soluções, mas dúvidas. Não é uma máquina de certezas, mas de perguntas" (Castello, 2010)". Usei isso em "C:DropboxESCRITOSO fio da navalha, resenhao fio da navalha, estudo.md". Fonte original: Castello, José (2010). Dilma e Serra diante do passado. In: Pereira, Rogério (editor). Jornal Rascunho. Curitiba : Gazeta do Povo, setembro 2010. Disponível [aqui](http://rascunho.gazetadopovo.com.br/dilma-e-serra-diante-do-passado/). Acessado em 23/06/2015, 20h31m..

linguagem

"Que tortura são os livros escritos em alemão para aquele que possui o terceiro ouvido" (Nietzsche)

"Gilead" de Marilynne Robison: "A luz é constante; nós apenas circulamos por ela. Portanto, cada dia é, na verdade, a mesma noite e a mesma manhã" /151

Flaubert: "mais uma vez, como alguém que vive relendo as velhas cartas de um antigo amor, volto a ele" /153

Flaubert sonhava em escrever "um livro sobre nada". Com ele a literatura se tornou essencialmente problemática.

Ricos estilistas: Bellow, Updike; estilista mais simples, Hemingway, consciência da sua simplicidade, uma forma de riqueza altamente controlada e minimalista, um estilismo da renúncia

[Lukács] distingue entre o detalhe imobilizado de Flaubert e Zola, e o detalhe mais dinâmico de Tolstói, Shakespeare e Balzac. Homero descreve o escudo de Aquiles não como algo acabado, mas como algo que está sendo feito /160

A prosa apenas engenhosa mantém uniformidade de registros (uma maneira específica de dizer alguma coisa, dicção castiça e dicção popular, dicção heroico-cômica, lugares-comuns) (estilo fixo). A prosa realmente interessante, audaciosa, se serve da harmonia e da dissonância, e é capaz de se mover. São as mudanças de registro que dão a impressão de uma voz humana falando conosco. /160-1

A [metáfora] é análoga à ficção porque sugere uma realidade rival. Toda metáfora ou [símile] é uma pequena explosão de ficção dentro da ficção maior do conto ou romance. Navegar nas águas perigosas das analogias.

Clichês são metáforas sem brilho ou mortas.

"Os símiles e as metáforas, pelo menos as visuais, realmente pretendem, na maioria dos casos, navegar em águas perigosas, e dão aquela sensação de algo novo e recém pintado diante de nossos olhos" (m.c.: não entendi se isso é bom...)

Às vezes o segredo da metáfora vigorosa é o salto para o anti-intuitivo, para o exato contrário daquilo que estamos tentando comparar. É esse o princípio, se não o efeito, da técnica que os formalistas chamavam estranhamento. /169

Se a metáfora é também condizente com o personagem — o tipo de metáfora que o personagem ou sua comunidade criariam — é uma maneira de resolver a tensão entre autor e personagem.

diálogo

Henry Green: eliminar aqueles rastros vulgares da presença do autor quando tenta se comunicar com os leitores; nunca usar o advérbio de autor ("ela disse tristemente"). O diálogo é a melhor maneira de se comunicar com os leitores e a coisa que mais mata a vida é a explicação. A assistência autoral é arrogante porque não sabemos realmente como as pessoas são (o autor não sabe, que o leitor saberia?). O diálogo deve portar múltiplos significados.

(o autor diz que essas ideias são contestáveis e que é possível perfeita comunicação sem nenhum diálogo) /180.

verdade, convenção, realismo

Preconceitos reinantes contra a ideia de realismo na literatura. a) é só um gênero, e não um impulso central na criação literária; b) é convenção morta, relacionada com enredo tradicional, com fim previsível; c) trata de personagens "redondos" com brandura e devoção ("humanismos convencionais"); d) supõe que o mundo pode ser descrito, com um elo estável entre palavra e referente; e) tende para uma política conservadora ou mesmo opressiva (é política e filosoficamente duvidoso). /182

O realismo é apenas mais uma convenção que reflete as aspirações de leitores pequeno-burgueses. Barthes: não existe maneira realista de narrar o mundo. O realismo não é realista, não se refere à realidade, é um sistema de códigos convencionais, uma gramática tão onipresente que nem notamos como ela estrutura a narrativa burguesa. /184 Uma espécie de manual invisível, onde não notamos mais seus artificialismos /187.

Exemplos das convenções comuns: a) a fala das personagens aparece entre aspas; b) o personagem ganha uma rápida descrição física quando aparece pela 1ª vez; c) o detalhe é escolhido com cuidado para ser expressivo; d) o dinâmico e o habitual se fundem no mesmo detalhe; e) a ação dramática é sutilmente interrompida por reflexões dos personagens; f) o personagem "muda"; g) as histórias têm um final. /184

Quando um estilo se decompõe, se aplaina num gênero, de fato se converte num conjunto de maneirismos e técnicas quase sempre sem vida. Os modernos escritores eficientes de mercado apenas emprestam só o que precisam de Flaubert (muito menos eficiente), e jogam fora tudo o que realmente dava vida à obra dele /188.

"Esse tipo de decomposição acontece a qualquer estilo de longa duração e êxito" /188

Barthes: "o que se passa na narrativa não é, do ponto de vista referencial (real), ao pé da letra, nada; o que acontece é só a linguagem inteiramente só, a aventura da linguagem, cuja vinda não deixa nunca de ser festejada" /188

Se formos recusar o realismo por ser convencional, temos que rejeitar todos os gêneros (surrealismo, ficção científica, pós-modernismo autorreflexivo), porque "a convenção está por toda parte e triunfa como a velhice: depois de certa idade, morremos dela ou com ela" /189.

Todavia o fato de o artifício e a convenção estarem presentes não significa que o estilo seja incapaz de se referir à realidade. O problema da convenção não é ela ser falsa, mas se tornar, pela repetição, cada vez mais solidamente convencional. O amor vira rotina, mas isso não impede que as pessoas se apaixonem /190. Essa pergunta sobre o caráter referencial da ficção ("a ficção faz afirmações verdadeiras sobre o mundo?") "é descabida, porque a ficção não nos pede para acreditar nas coisas (num sentido filosófico), e sim para imaginá-las (num sentido artístico) (...). Quando contamos uma história, mesmo querendo ensinar uma lição, nosso objetivo primário é gerar uma experiência imaginativa". /191

Aristóteles: a ficção não mostra o que aconteceu, como a história: mostra o que podia acontecer. O importante é a plausibilidade hipotética. Aristóteles: uma impossibilidade convincente é sempre preferível a uma possibilidade inconvincente. A tarefa do artista é nos convencer de que aquilo podia ter acontecido. /192

Samuel Johnson: "as imitações produzem dor ou prazer, não porque são erroneamente tomadas por realidades, mas porque trazem realidades à mente" /192

Cormac McCarthy. Ktnut Hamsun, Fome.

A convenção em si, como a metáfora em si, não é algo morto, mas ela está sempre morrendo. Assim, o artista está sempre tentando vencê-la, está sempre estabelecendo outra convenção agonizante. Paradoxo literário-histórico: "os poetas e romancistas atacam constantemente certo tipo de realismo, apenas para defender seu próprio tipo de realismo" /193

Flaubert: "os livros obscenos são imorais porque são falsos", detestava o realismo e era um dos seus papas. /193

Thomas Hardy: a arte é "desproporcionar (isto é, distorcer, tirar das proporções) as realidades, para mostrar mais claramente os traços que importam nessas realidades, os quais, se fossem meramente copiados ou registrados como num inventário, até poderiam ser observados, mas provavelmente passariam desapercebidos" /193.

"A arte escolhe e molda" /193. "Conjura a vida diante de nós a partir do nada" isto é, hypotyposis. /194

Woolf: "Por que (...) o teste final do enredo, da personagem, da história e de todos os outros ingredientes de um romance há de consistir na capacidade de imitar a vida? Por que uma cadeira real há de ser melhor do que um elefante imaginário?" /195

O desejo de ser verdadeiro em relação à vida, de criar uma arte que veja "como as coisas são" é um projeto literário universal, a grande linguagem do romance. /196

O escritor tem de agir como se os métodos literários disponíveis estivessem constantemente à beira de se transformar em meras convenções, e por isso ele precisa tentar vencer esse inevitável envelhecimento. /199
ENCYCLOPAEDIA V. 51-0 (11/04/2016, 10h24m.), com 2567 verbetes e 2173 imagens.
INI | ROL | IGC | DSÍ | FDL | NAR | RAO | IRE | GLO | MIT | MET | PHI | PSI | ART | HIS | ???